domingo, 28 de maio de 2023

Faça o que eu faço! Lições do Pe. Hélio José de Simas, S.J.

Capa do livro "O operário e o padre
História da criação do Sinmetal/SC"
 Dias atrás, estive em Criciúma, SC, na festa dos 60 anos de fundação do Sinmetal/SC. Fui muito bem recebido pelos diretores, especialmente Clézio Silveira (tesoureiro) e pelo presidente, João Batista da Silva. 

Hoje acordei lembrando de um momento da festa. Um dos presentes (eram uns 500) chegou-se a mim e disse: 

-Li teu livro sobre a fundação do Sinmetal/SC! - E para provar, ele acrescentou: 

-Gostei da lição do padre limpando o bacio, quando ele puxa a batina pelo meio das pernas

Ele tinha lido mesmo. Transcrevo abaixo o trecho do livro (p. 135-137) porque o considero muiiiiito especial:

                     "Faça o que eu faço!

Na primeira fase de ocupação da sede [do Sindicato dos Metalúrgicos de Criciúma/SC, na década de 1960] da rua Cel. Pedro Benedet, 304, Hélio Simas chegou a residir uns meses no apartamentinho que existia nos fundos da sala grande. Não sei o porquê, mas residiu.

Trabalhando na parte burocrática, eu era pau para toda obra. Com meus doze ou treze anos, datilografava, saía para fazer cobrança, ia ao correio, atendia o pessoal, preenchia as fichas de inscrição.  E, de lambuja, adorava ajudar na farmácia do Círculo Operário, embaixo.

- Sebastião, podias limpar o banheiro para mim? – falou o padre, enquanto estava ocupado com as máquinas dele, a papelada dos cursos e o mimeógrafo.

“Banheiro, limpar, bah...”, pensei comigo. Não gostei nada do alargamento de minhas funções de repente anunciado. Além de auxiliar administrativo, agora eu seria também o faxineiro.  Putz!

- Tá bom, padre. Pode deixar – respondi sem saber o que dizer, enquanto costurava uma desculpa para fugir do malsinado serviço.

Deixei o tempo correr. Quem podia garantir que o banheiro não se limparia sozinho? Banheiro de padre! Deus podia ajudar!

- E aí, Sebastião, vais ou não limpar o banheiro? – perguntou mais alto o padre.

Deus não tinha ajudado ainda, pelo jeito. E o padre estava ficando incomodado. Não teve jeito. Mesmo contrariado, tinha de encarar a limpeza.

- Agora já posso ir, padre!

- O material de limpeza tá lá dentro. Capricha!

Era um banheiro pequeno, típico de sala comercial.  As cerâmicas baratas eram branquinhas e comuns. E o assoalho de azulejo de uma cor só. Ao lado, numa prateleira improvisada, havia uns panos, sabão, uma escovinha e,  encostada, uma vassoura.

Espanei para cá. Espanei para lá. Passei o pano pelo chão com a vassoura. Dei descarga e joguei um produto de limpeza que tinha um cheirinho gostoso. Sequei tudo. Enxuguei bem as laterais da pia e o local onde ficava o sabonete. Pronto! Uma beleza. “Foi fácil”, pensei comigo.  E fui saindo.

- Já? – perguntou o padre admirado.

- Sim, padre. Tá feito.

- Deixa eu ver!

Ai! Ele entrou pelo quarto a dentro e chegou ao banheiro.

- Você  lavou lá dentro do bacio? - apontou para o buraco cheio de água.

- Sim. Dei descarga e joguei o produto. Tá limpinho, tá vendo?

Para mim era o suficiente. Para que perder tempo com aquela parte nojenta do bacio?

- Rapaz, não é assim. É preciso esfregar!

E, aí, ele me deixou com a cara no chão! Pegou a parte de trás da batina, embaixo, pelo meio das pernas, puxou para frente, e enfiou por trás da faixa larga e preta que sempre usava na cintura. Parecia um indiano, só que com a batina preta. Ele fazia isso sempre que precisava fazer algum trabalho braçal.  Fiquei olhando espantado. Vi os sapatos dele, bem de perto, limpinhos e luzidios, a meia preta e a calça. Aí ele pegou o sabão, abaixou-se  e meteu a mão no bacio, lá dentro, para esfregar.

- É assim, rapaz. Tem de lavar mesmo. Esfregar, entendeu?  -  Aquilo eu entendi. Mas não podia entender como aquela mão branquinha, que levantava a hóstia na igreja e, além disso, distribuía aos fieis, podia ser colocada naquele lugar, daquele jeito.

O padre me dera uma lição para vida inteira. Não devemos querer que os outros façam o que nós mesmos não estamos  dispostos a fazer.

- Depois lava bem a mão, aqui na pia, com bastante sabão. Pronto! - Hoje, usam-se as luvas que, na época  e lá, não existiam. 

Ele não me repreendeu. Nem xingou. Ensinou-me, mostrando que não queria de mim nada que ele mesmo não fizesse.

Era o seu estilo e sua visão de vida." [1]

[1] TAVARES-PEREIRA, S. O operário e o padre.    História da criação do sindicato dos trabalhadores metalúrgicos de Criciúma e região.  Florianópolis: Sebastião Tavares Pereira, 2012, p. 135-137.




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