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Capa do livro "O operário e o padre. História da criação do Sinmetal/SC" |
Dias atrás, estive em Criciúma, SC, na festa dos 60 anos de fundação do Sinmetal/SC. Fui muito bem recebido pelos diretores, especialmente Clézio Silveira (tesoureiro) e pelo presidente, João Batista da Silva.
Hoje acordei lembrando de um momento da festa. Um dos presentes (eram uns 500) chegou-se a mim e disse:
-Li teu livro sobre a fundação do Sinmetal/SC! - E para provar, ele acrescentou:
-Gostei da lição do padre limpando o bacio, quando ele puxa a batina pelo meio das pernas!
Ele tinha lido mesmo. Transcrevo abaixo o trecho do livro (p. 135-137) porque o considero muiiiiito especial:
Na primeira fase de
ocupação da sede [do Sindicato dos Metalúrgicos de Criciúma/SC, na década de 1960] da rua Cel. Pedro Benedet, 304, Hélio Simas chegou a residir uns
meses no apartamentinho que existia nos fundos da sala grande. Não sei o porquê,
mas residiu.
Trabalhando na parte burocrática, eu era pau para toda obra.
Com meus doze ou treze anos, datilografava, saía para fazer cobrança, ia ao
correio, atendia o pessoal, preenchia as fichas de inscrição. E, de lambuja, adorava ajudar na farmácia do
Círculo Operário, embaixo.
- Sebastião, podias limpar o banheiro para mim? – falou o
padre, enquanto estava ocupado com as máquinas dele, a papelada dos cursos e o
mimeógrafo.
“Banheiro, limpar, bah...”, pensei comigo. Não gostei nada do
alargamento de minhas funções de repente anunciado. Além de auxiliar
administrativo, agora eu seria também o faxineiro. Putz!
- Tá bom, padre. Pode deixar – respondi sem saber o que dizer,
enquanto costurava uma desculpa para fugir do malsinado serviço.
Deixei o tempo correr. Quem podia garantir que o banheiro
não se limparia sozinho? Banheiro de padre! Deus podia ajudar!
- E aí, Sebastião, vais ou não limpar o banheiro? –
perguntou mais alto o padre.
Deus não tinha ajudado ainda, pelo jeito. E o padre estava
ficando incomodado. Não teve jeito. Mesmo contrariado, tinha de encarar a
limpeza.
- Agora já posso ir, padre!
- O material de limpeza tá lá dentro. Capricha!
Era um banheiro pequeno, típico de sala comercial. As cerâmicas baratas eram branquinhas e
comuns. E o assoalho de azulejo de uma cor só. Ao lado, numa prateleira
improvisada, havia uns panos, sabão, uma escovinha e, encostada, uma vassoura.
Espanei para cá. Espanei para lá. Passei o pano pelo chão
com a vassoura. Dei descarga e joguei um produto de limpeza que tinha um
cheirinho gostoso. Sequei tudo. Enxuguei bem as laterais da pia e o local onde
ficava o sabonete. Pronto! Uma beleza. “Foi fácil”, pensei comigo. E fui saindo.
- Já? – perguntou o padre admirado.
- Sim, padre. Tá feito.
- Deixa eu ver!
Ai! Ele entrou pelo quarto a dentro e chegou ao banheiro.
- Você lavou lá
dentro do bacio? - apontou para o buraco cheio de água.
- Sim. Dei descarga e joguei o produto. Tá limpinho, tá
vendo?
Para mim era o suficiente. Para que perder tempo com aquela
parte nojenta do bacio?
- Rapaz, não é assim. É preciso esfregar!
E, aí, ele me deixou com a cara no chão! Pegou a parte de
trás da batina, embaixo, pelo meio das pernas, puxou para frente, e enfiou por
trás da faixa larga e preta que sempre usava na cintura. Parecia um indiano, só
que com a batina preta. Ele fazia isso sempre que precisava fazer algum
trabalho braçal. Fiquei olhando
espantado. Vi os sapatos dele, bem de perto, limpinhos e luzidios, a meia preta
e a calça. Aí ele pegou o sabão, abaixou-se e meteu a mão no bacio, lá dentro, para
esfregar.
- É assim, rapaz. Tem de lavar mesmo. Esfregar, entendeu? - Aquilo
eu entendi. Mas não podia entender como aquela mão branquinha, que levantava a
hóstia na igreja e, além disso, distribuía aos fieis, podia ser colocada
naquele lugar, daquele jeito.
O padre me dera uma lição para vida inteira. Não devemos
querer que os outros façam o que nós mesmos não estamos dispostos a fazer.
- Depois lava bem a mão, aqui na pia, com bastante sabão.
Pronto! - Hoje, usam-se as luvas que, na época
e lá, não existiam.
Ele não me repreendeu. Nem xingou. Ensinou-me, mostrando que
não queria de mim nada que ele mesmo não fizesse.
Era o seu estilo e sua visão de vida." [1]
[1] TAVARES-PEREIRA, S. O operário e o padre. História da criação do sindicato dos
trabalhadores metalúrgicos de Criciúma e região. Florianópolis: Sebastião Tavares Pereira, 2012, p. 135-137.