domingo, 2 de agosto de 2020

Factum Principis: razões para aplicar o artigo 486/CLT




A CONJUR publicou, em 29jul20, artigo de minha autoria em que analiso razões pelas quais os juízes do trabalho deveriam considerar a aplicação do artigo 486/CLT ao julgar rescisões decorrentes da pandemia/fechamento dos estabelecimentos e rejeitar a ordem do legislador, via MP 927, de considerar apenas a ocorrência de força maior nos termos dos artigos 501 e seguintes da CLT.
A disposição do artigo 1º da MP 927 foi, depois, transposta para o artigo 29 da Lei 14.020/20, que, a meu ver, padece do mesmo defeito de inconstitucionalidade e de deficiências lógicas, fáticas, jurídicas e sistêmicas

Veja o artigo no link abaixo, da CONJUR:

https://www.conjur.com.br/2020-jul-29/pereira-razoes-considerar-artigo-486clt-julgamentos


Resumão para quem está sem tempo de ler o artigo todo:

1) O artigo 486/CLT é objetivo e direto: se o Estado determinar o fechamento, não importa as razões, assume a obrigação de indenizar; o artigo é incondicionado;

2) A MP é inconstitucional porque manda/ordena/determina que o juiz não considere o artigo 486/CLT: quem faz a subsunção fato X norma é o juiz, não o legislador; o juiz deve ser independente e imparcial para fazer a norma do caso concreto via uma sentença, aplicando todo o regramento jurídico vigente.

3) Se há razão para desobrigar o Estado, mais razão ainda existe para desobrigar o empregador. Se há uma razão capaz de desobrigar o Estado, diante da literalidade clara e objetiva do artigo 486/CLT,  como falar em indenização a ser paga pelo empregador?

4) Dizer qual lei aplica para resolver um caso concreto é função do juiz no  bojo de um devido processo legal; o legislador não se pode antecipar a isso; definir isso sem ter, antes, o devido processo, é ilegítimo;

5) O direito do trabalho é protetivo; e o artigo 486/CLT é a regra para garantir maximamente essa proteção ao empregado;

6) O adágio "me dá os fatos e te darei o direito" é sistêmico-jurídico, não é uma invenção da JT ou dos juízes do trabalho; só após considerar imparcialmente os fatos, passa-se à sentença dizendo em que norma jurídica geral está incluído o fato;

7) Diz-se que a pandemia é  "ato de Deus" e, portanto, o Estado está exonerado; ora, se o Estado está, por que o empregador não? O que o artigo 486/CLT diz é exatamente que, diante de atos assim, o empregador se desonera, mas o ESTADO não! Ele assume a obrigação. Ou seja, o artigo contraria textualmente a teoria dos atos de Deus;

8) Diz-se também que o Estado fica isento porque atuou em nome do interesse social. Oras, quando é que o Estado está autorizado a agir sem que seja pelo interesse social?;

9) Diz-se também que o empregador assume os riscos do negócio. E assume mesmo. Mas a lei diz que, excepcionalmente, quando o Estado interfere e fecha o estabelecimento, ele fica liberado. Contra ato de autoridade, não existe "risco do negócio"! É o que diz a lei, claramente.

10) Diz-se que não foi "discricionário" o ato de fechamento; a lei não exige nenhuma consideração dessa natureza; mandou fechar, paga a indenização;  mas, além disso,  as controvérsias fáticas apontam o contrário; os administradores, por razões inclusive políticas (e diante da ineficiência científica), tomaram suas decisões discricionariamente: fecharam, abriram, fecharam de novo, nunca fecharam, mandaram usar máscara só com sintomas, mandaram usar máscaras desde sempre, mandaram todos usar máscara, fizeram lockdown, desfizeram; pura discricionariedade; chegaram a brigar com quem fazia o contrário deles;

11) Os fechamentos foram necessários porque as estruturas de saúde eram inadequadas, apesar da completa previsibilidade das pandemias, nas últimas décadas. Já se prognosticam outras. Então, por essa imprevisão, o Estado deve pagar;  o empregado não deve perder seus direitos (a lei o protege textualmente) e nem o empregador deve pagar indenização por ato a que não deu causa (a lei o exclui da linha de responsabilidade).

Observação:  o artigo publicado teve de ser adequado ao espaço do veículo. O artigo original, que é mais extenso, será disponibilizado no meu repositório http://artigos.stp.pro.br.

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