HOMO SAPIENTISSIMUS I - O CONCEITO

 




Homo Sapientissimus I: um novo marco evolutivo.

S. Tavares-Pereira1



Na longa trajetória da evolução humana, poucas transições foram tão transformadoras quanto a Revolução Cognitiva. Como descreve Yuval Noah Harari em seu consagrado Sapiens (2017, p. 41-43), esse momento — há cerca de 70 mil anos — marcou o surgimento do Homo sapiens como espécie capaz de pensamento abstrato, linguagem complexa e imaginação coletiva. Um salto dos poderes cognitivos, dentro do mesmo arcabouço biológico. Hoje, estamos à beira de um novo limiar — além do qual está um ser que exige um novo qualificativo, uma nova identidade. Proponho: Homo sapientissimus.2

Do sapiens ao sapientissimus.

O sufixo latino -issimus indica o grau superlativo — o “mais” de algo. Se Homo sapiens é o “homem sábio”, Homo sapientissimus seria um homem “mais sábio”? Não se trata de uma afirmação arrogante, mas de uma marca conceitual para um novo tipo de ser cognoscente: aquele cuja cognição não é apenas biológica, mas híbrida.

Estamos entrando numa era em que o pensamento humano é estendido, amplificado e entrelaçado com sistemas não biológicos. Algoritmos, redes neurais, inteligências artificiais e interfaces sintéticas deixaram de ser meras ferramentas — tornaram-se parceiros cognitivos. A fronteira entre organismo e máquina está se dissolvendo, dando origem a uma inteligência simbiótica que transcende os limites de nossos cérebros orgânicos, embora mantenha, evolutivamente, o liame ontológico típico da cadeia Homo. Continuamos a ver o homo, mas sentimos uma potência cognitiva aumentada.

A camada invisível.

Essa transformação não é visível na anatomia. Não se trata de um novo formato de crânio ou de um fêmur mais longo. Nem mesmo de um córtex mais robusto, com camadas adicionais de neurônios e multiplicação de sinapses. Trata-se de uma camada invisível — uma espécie de couraça cognitiva emergente — que recobre nosso substrato biológico, físico e mental. Ela é autopoética, auto-geradora e recursiva. Aprende, adapta-se e evolui mais rápido do que qualquer mecanismo evolutivo anterior. Emerge na noosfera, como vislumbrou Teilhard de Chardin3, agora tornada tangível por meio do silício, do código e da nuvem. Sem pleitear exclusividade, oferece-se como componente na conformação de um ser humano cognitivamente superior.

Por que Homo sapientissimus importa?

Nomear o ente desta nova fase como Homo sapientissimus significa reconhecer que estamos dando um salto — não apenas em inteligência, mas na própria natureza da inteligência. Marcamos o momento em que a cognição se torna distribuída, o aprendizado se torna exponencial e a identidade se torna fluida entre domínios biológicos e artificiais.

Isso não é uma declaração utópica. É um desafio. O Homo sapientissimus precisa navegar por complexidades éticas, fragilidades ecológicas e riscos existenciais — como se vê abundantemente nesta fase de transição. Mas também carrega a promessa de uma compreensão mais profunda, empatia ampliada e criatividade sem precedentes. Uma fusão de potências, sintetizada pelo termo homo e suas contribuições únicas e não emuláveis (criatividade, sensibilidade e, acima de tudo, consciência), com os ganhos de saber quase onisciente da cognição tecnológica. Duas cognições, duas lógicas, duas potências especializadas: Homo sapientissimus.

Uma reivindicação conceitual.

Ofereço Homo sapientissimus não como uma classificação científica, mas como uma proposição filosófica e cultural. É um nome para aquilo que estamos nos tornando, e para o que precisamos nos tornar, se quisermos prosperar na era da cognição híbrida.

Que esse termo sirva como marco. Que provoque reflexão, debate e imaginação. E que nos lembre que a sabedoria não é um destino, mas uma direção.

Referências.

HARARI, Yuval Noah. Sapiens: Uma breve história da humanidade. 19.ed. Porto Alegre, RS: L&PM, 2017.

TAVARES-PEREIRA, S. Machine learning and judicial decisions. Legal use of learning algorithms. Florianópolis/SC: Artesam, 2024.

set. 2025

1 Mestre em Ciência Jurídica – UNIVALI/SC e doutorando em Direito/ATITUS-FDV. Autor de Machine Learning nas decisões. O uso jurídico dos algoritmos aprendizes (2021).

2 Nota: Homo sapientissimus é um termo conceitual proposto pelo autor para descrever a emergente cognição híbrida (biológica e tecnológica), sapientíssima, da espécie humana na era da inteligência artificial e dos sistemas de inteligência distribuída. A cognição humana natural foi responsável por produzir a expressão e este breve artigo, mas a cognição tecnológica forneceu assistência significativa. Em artigos vindouros, aprofundarei a ideia em direção a uma abordagem sistêmico-luhmanniana, que conjugue cálculo e razão e nos devolva um poder aumentado de trabalho racional.

3 Segundo o filósofo, uma camada de pensamento e consciência que envolve a Terra e se situa acima das camadas anteriores: geosfera (mundo físico) e biosfera (mundo biológico/vivo).