É preciso pensar num regime jurídico novo, inspirado na ideia de promoção dos direitos fundamentais processuais, com transparência tecnológica plena. Nesses tempos de intensa softwarização do processo judicial e de outros sistemas de adjudicação de direitos, um regime aperfeiçoado poderá ajudar a colocar a tecnologia, de forma otimizada, a serviço da efetividade dos Direitos.
Para isso:
(i) é necessário pensar e escrutinar o software
em termos jurídico-normativos. Não apenas tecnológicos. Somente
assim se concretizarão, em plenitude, as exigências de transparência. Não
haverá transparência se os juristas, todos eles, não receberem a expressão dos
códigos em linguagem que lhes permita entender e acompanhar, sem dificuldades,
os meandros pelos quais os sistemas eletrônicos alcançam conclusões a respeito
do jurídico. Todas as funções tecnológicas (software)
que incorporam normas jurídicas, processuais ou materiais, deverão ser
transparentes em três sentidos: a) as pessoas devem ter ciência plena e prévia
de que a aplicação daquela função está sendo transferida de um humano para um software; b) procedimentos democráticos
devem permitir a mais ampla participação nos processos de definição da
interpretação normativa a ser incorporada (legitimação) e c) do acesso pleno à função, em expressão
tecnológica (códigos-fontes) e, principalmente, em expressão em linguagem
acessível aos juristas (não técnica).
(ii) em todos os
SEPAJs, proprietários ou não, do Poder
Judiciário ou de terceiros, a obrigação de abertura dos códigos deve ser
imperativa, e não preferencial, em relação a todas as normas com alcance
jurídico; as regras da legitimação da norma tecnológica e da transparência plena devem estar presentes para promover, acima de
tudo o mais, os direitos fundamentais processuais.
(iii) No desenvolvimento dos sistemas processuais pelo
Poder Judiciário deveria ser vedado utilizar/aproveitar, diretamente ou via
terceiros contratados para a prestação de serviços, qualquer ferramenta,
código-fonte, trecho de código-fonte, algoritmo e qualquer outro instrumental
ou elemento cujas condições de licenciamento/autorização de uso implicassem a
transferência, em relação ao software
produzido, de quaisquer obrigações, para o Estado brasileiro, na condição de
desenvolvedor direto ou encomendante,
referentes à titularidade, cessão, licença, permissão de uso, dação de
créditos ou derivação estipuladas em
licenças postas por terceiros (contágio). A titularidade do sistema processual, ao
final do desenvolvimento, deve ser do Estado brasileiro, exclusivamente e sem
quaisquer limitações;
(iv) Um regime adequado para a área, portanto, voltado
à concretização máxima dos ditames constitucionais do artigo 5°, da
Constituição, deve fundar-se (a) na explicitação e promoção das regras de
transparência propostas no item 7, (b) em conceitos operacionais claros e explícitos
de código-aberto, código-fechado ou proprietário e confidencialidade de código,
(c) na distinção dos níveis tecnológico e jurídico das expressões das normas e (d) na conceituação de norma tecnológica (a versão interpretada
do texto normativo incorporada num software).
(v) Num regime como o aqui preconizado, diferenciando-se os níveis jurídico-normativo
e tecnológico, dever-se-ia estabelecer plena e
irrestrita publicização das normas
tecnológicas, na linguagem fonte
(técnica) em que foi codificada para o sistema processual e a partir da qual as
versões executáveis são geradas, e, também, em código jurídico-normativo, que
deve ser a expressão, semanticamente válida, para os juristas e o público em
geral, da função “trivial” aplicada em linguagem tecnológica, em cada caso. Na
lei de software, no artigo 3°, § 1°,
II, encontra-se a menção à “descrição funcional do programa de computador”[1]. Entende-se que a
descrição jurídico-normativa deva atender a requisitos específicos, em termos
da linguagem a ser utilizada e dos conteúdos.
[1] BRASIL.
Lei nº 9.609, de 19 de fevereiro de
1998. Dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de programa de
computador, sua comercialização no País, e dá outras providências. Disponível
em: HTTP://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9609.htm.
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